Geralmente, achamos que "magias" são utilizadas apenas por Magos. Mas, "Magia é uma ciência oculta que estuda os segredos da natureza e a sua relação com o homem, criando assim um conjunto de teorias e práticas que visam ao desenvolvimento integral das faculdades internas espirituais e ocultas do Homem" (Wikipédia). Portanto, todas as raças podem ter magias, e têm. Até mesmo os Celestiais:
1) Princeps: Benção.
Embora os Princeps não precisem de ajuda sobrenatural para liderar, os poderes de Benção são mais um motivo para que os Celestiais sigam os Princeps. Benção é um poder que não beneficia apenas o Celestial, mas seus companheiros também. O poder gera auras que podem beneficiar companheiros ou prejudicar inimigos. Além disso, algumas auras geradas tornam aqueles ao redor do Celestial mais favoráveis a aceitar suas ordens.
2) Sanctis: Vitalidade.
O Poder da Vitalidade (na verdade, o nome verdadeiro do poder é Trilha do Vitalismo) foi desenvolvido por Rafael durante suas peregrinações na pré-história. Vitalidade é um poder que usa energia celestial para curar e regenerar corpos ou manipular energias vitais. Embora criado para ser uma arte de cura, o Poder pode ser usado para ferir, ou para usar a energia vital em fins destrutivos.
3) Venatores: Fogo Celestial.
Fogo Celestial foi criado por Gabriel. Segunda as histórias, as Chamas da Purificação se formaram quando Gabriel foi quase derrotado em seu primeiro combate. O Primus, ainda jovem e fraco, havia sido derrubado, quando as chamas se formaram se sua fúria e incineraram o demônio que o agrediu.
4) Líberes: Majestade.
Majestade foi um poder que, dizem, foi desenvolvido naturalmente por Rachel a partir de seu próprio carisma natural. Majestade é uma habilidade de inspirar emoções nas pessoas ao redor, tornando-as mais suscetíveis à influência do Celestial.
Este poder não controla pessoas. Ao invés disso, é usado para apaziguá-las, acalmá-las ou mesmo fazê-las refletir sobre seus atos.
5) Veritatis Perquiratores: Espiritualidade
Espiritualidade, ou melhor, Spiritualitatis, é um poder místico desenvolvido pelo próprio Veritatis milênios atrás durante suas buscas espirituais. O poder se baseia no relacionamento com espíritos e controle das forças presentes no Mundo Espiritual. Incrivelmente flexível, este poder permite realizar mágicas realmente potentes, bastando para isso manipular as forças espirituais corretas. Lembre-se: tudo tem um espírito...
6) Cuique Suum: Lex
Desenvolvido por Fanuel, Lex é o poder de sentir a culpa nas pessoas. Ele também permite gerar marcas visíveis para os que conhecem esse poder, para marcar criminosos ou identificar certas pessoas como importantes. Os níveis mais avançados de Lex permitem ao Celestial voltar a culpa de uma pessoa contra ela própria.
7) Tecnoanjos: Conjuração
Criado pro Raziel no princípio do Clero, Conjuração originalmente era um poder para invocar objetos a partir do nada. Com o tempo, porém, novos usos para esta habilidade foram descobertos, inclusive a capacidade de gerar objetos com habilidades místicas inatas ou para manipular tecnologia existente.
8) Hun Xian/Wakizashi: Tiaohe Dô
O “Caminho da Harmonia” foi criado por Bishamon durante os séculos que se seguiram à criação dos Hun Xian. Esta arte levou um longo tempo para ser refinada, e é ao mesmo tempo uma arte marcial mística e um Poder Celestial. Aqueles que lutam o Tiaohe Dô são capazes de feitos impressionantes, e tornam-se armas vivas.
9) Kage/Shinobi: Yingzi
O Yingzi é a capacidade de controlar trevas e sombras. Muitos se perguntam como Celestiais podem ter essa capacidade, mas segundo Si-ming, esta é a prova do poder dos Celestiais sobre os seres das trevas. A arte de Yingzi é usada para encobrir os Kage com trevas, desta forma escondendo-os daqueles que eles protegem.
10) Mors Sancta: Necromancia.
Criado por Veritatis, o poder de Necromancia Celestial se difere e muito das formas de Necromancia de outras criaturas sobrenaturais. Necromancia Celestial permite aos Mors Sancta manipular diretamente a energia e a matéria do Submundo. Os Mors Sancta literalmente podem manipular a realidade do Mundo dos Mortos.
11) Primordiais: Nenhum.
Os Primordiais jamais possuíram um Primus que lhes ensinasse um Poder Exclusivo. Alguns poderiam imaginar que Proteção seria seu Poder Exclusivo, visto que os Primordiais descendem dos Protectori, mas isso não é verdade. Proteção é o poder dos Protectori, e desapareceu junto com o Clero.
Alguns Primordiais que trabalham lado a lado com membros de outros Cleros podem vir a conquistar o direito de aprender o Poder Exclusivo de seus companheiros, mas obviamente ele deve ser merecedor para tal, e deve pagar o custo normal para adquirir Poderes Exclusivos de outros Cleros.
12) Superviventes: Instinto
Instinto foi desenvolvido por Ariel em suas viagens pelas regiões selvagens. Observando os animais e conversando com os espíritos da natureza, ela aprendeu a usar o Instinto para acessar habilidades animais, desta forma ampliando as capacidades de seu corpo e mente. Instinto é uma ferramenta poderosa para ajudar nas viagens e na sobrevivência.
13) Xamãs: Gnose
Dizem que Gnose foi um poder aprendido naturalmente por Raguel, que descobriu que o clima e a natureza respondiam às suas emoções. Gnose é o poder de manipular os aspectos naturais e as criaturas selvagens, e é responsável por muitas das lendas de espíritos e deuses que manipulam tempestades.
Observação: Todo Celestial possui algumas capacidades inatas, que não podem e nem devem ser confundidas com poderes:
1) Atributos Inumanos: quanto mais alto o Coro, maior é a Força de um Celestial;
2) Energia da Alma: enquanto os demônios precisam de almas alheias para sobreviver, Celestiais se alimentam de suas prórpias almas, tendo maior energia de manutenção e cura (como um camelo que "guarda" água, para aguentar uma passagem pelo deserto);
3) A Forma Angelical: em sua Forma Angelical,
um Celestial pode voar e causar o Temor, que é um medo irracional que sua forma causa. Esse medo pode até causar esquecimento, paralisia, fuga, fascínio, etc;
4) Imortalidade: Celestiais são imortais. Eles não envelhecem e são imunes a doenças. Apenas a Obliteração pode pôr fim a um Celestial;
5) Imunidade à Temperatura: Calor e frio não são capazes de incomodar um guerreiro celeste.
6) Imunidade a Possessões: um Celestial é uma alma. Portanto, não pode ser possuído por outra, e também não há possibilidade de ser dominado por poderes que separem a alma do corpo (que não há);
7) Órgãos Desnecessários: arrancar o coração de um Celestial pode lhe causar ferimentos, mas nunca matá-lo. Apenas os olhos são sensíveis, e um Celestial pode ser cegado ("os olhos são as janelas da alma”);
8) Resistência a Ferimentos Agravados: como não possuem corpo, Celestiais são mais resistentes a ferimentos, mesmo que sejam tiros, socos, facadas, etc. E todo ferimento se regenera mais rápido que em mortais;
sábado, 27 de março de 2010
Europa, ano 1000
a passagem do primeiro para o segundo milênio da era cristã, o Ocidente vivia mergulhado em guerras, terrores e superstições: o fim do mundo estava próximo.
Era um tempo de medo. Há mil anos, na mesma Europa que agora se prepara para ingressar, próspera e unida como nunca, no terceiro milênio do calendário cristão, os homens viviam o pior dos mundos. O irreversível desmoronamento, século após século, do que ainda restava da civilização greco-romana, depois do fim do Império Romano do Ocidente, no século V, transformara o território europeu em campo de batalha onde gerações sucessivas se guerreavam interminavelmente visigodos e vikings, bretões e saxões, vândalos e ostrogodos, magiares e eslavos,um sem-fim de povos que não por acaso entraram para a História sob a denominação coletiva de "bárbaros". Além da violência, a miséria, a ignorância e a superstição recobriam a Europa na marca do ano 1000.
A centralização política abençoada pela Igreja na virada do século IX, com a coroação de Carlos Magno, rei dos francos e dos lombardos, no trono do Sacro Império Romano, em 800, produziu um lampejo de renascimento cultural ao redor de sua corte em Aix-la-Chapelle (ou Aachen, na atual Alemanha). O que pudesse haver de paz e progresso, porém, não sobreviveria muito tempo ao imperador, falecido em 814. Fragmentada em reinos cada vez mais fracos, apesar da tentativa de restauração imperial, em 962, comandada pelo rei germânico Otto, o Grande, a Europa Ocidental se converte numa colcha de retalhos de governos locais. Papas e imperadores, uns e outros invocando direitos divinos, competiam pelo poder, celebrando alianças movediças com príncipes, duques, condes, bispos que também acumulavam títulos de nobreza e ainda uma vasta gama de barões da terra. Tudo isso só fez apressar a pulverização do continente em feudos.
Os proprietários de terras transformavam seus domínios em unidades autônomas, territórios com fortificações feitas de árvores e espinheiros e com habitações cercadas de paliçadas. Registrou um observador do ano 888: "Cada qual quer se fazer rei a partir das próprias entranhas". A cidade, como sede da política e da administração, centro do comércio e do conhecimento, à maneira de Roma, Atenas ou Alexandria na Antigüidade clássica, virtualmente inexistia na paisagem ocidental desse período. Havia, é bem verdade, burgos descendentes dos centros fundados pelos conquistadores romanos, como também ajuntamentos de um punhado de milhares de almas, nascidos da presença, nas proximidades, de um mosteiro ou de um vale fértil, ou do fato de se situarem no centro de uma região dominada por um príncipe. Nada, porém, que se comparasse a Constantinopla (hoje Istambul), capital do Império Romano do Oriente, com suas centenas de milhares de habitantes, abastado comércio e porto movimentado.
Há cerca de mil anos, amplas extensões do continente europeu eram constituídas de florestas um mundo sombrio, estranho e ameaçador aos homens que construíam povoados, cultivavam cereais e criavam gado em grandes clareiras nas suas cercanias, numa economia de pura subsistência, da mão para a boca. A construção de castelos, abadias e mosteiros ocupava igualmente muitos braços. Mas o principal motor da atividade econômica era a guerra: a necessidade de produzir armas, acumular provisões para a tropa e pagar os mercenários em metal sonante estimulava o comércio. Perigos reais, como os animais selvagens, e terrores imaginários, como monstros e demônios, espreitavam os aldeões que adentravam a mata em busca de carne de caça e de mel, a única fonte de açúcar dos europeus de então. Vista pelos olhos de hoje, a vida cotidiana tinha tons de pesadelo.
As aldeias, com suas poucas dezenas de casas mambembes, eram de um primitivismo de dar dónada que pudesse lembrar nem as edificações do passado pré-cristão no Egito, Mesopotâmia, Grécia e Roma, nem as construções contemporâneas de povos tão diferentes entre si como árabes, chineses e incas. As habitações eram muito pequenas, de madeira, com coberturas de palha que chegavam rente ao chão. Janelas, quando havia, eram simples buracos. Móveis eram escassos. Animais compartilhavam o parco espaço com a família. Algumas casas eram precariamente cercadas por muros de adobe; outras, por grossas sebes de espinhos. Os germanos chamavam tais espinheiros zaun, o que daria em inglês, significativamente, thorn (espinho) e town (cidade).
Se um europeu atual caísse do céu num dia qualquer numa dessas aldeias talvez presenciasse uma cena que o deixaria escandalizado, com razão, mas cujo sentido lhe escaparia. Um homem, semidespido, corre em círculos; dois outros, tochas nas mãos, tentam queimar-lhe o traseiro, enquanto o populacho morre de rir. A grosseira palhaçada é séria: o homem está sendo castigado pelo roubo de um cachorro. O ladrão até que poderia ter se livrado do vexame se tivesse 5 soldos ou moedas de cobre para indenizar o dono do cão, mais 2 soldos de multa para o Conselho que fazia as vezes de governo do lugarejo tão rústicos haviam se tornado a administração da justiça e o sistema de governo. A punição, em todo caso, dá idéia do valor dos cachorros em tais sociedades como auxiliares de caça freqüentemente dizimados nas incursões à floresta. Outros animais, como cervos, cavalos e falcões, eram também valorizados, com castigos à altura para os ladrões. Entre os burgúndios, povo germânico que vivia no que viria ser a Áustria, a um falcão recapturado era servido 1,5 quilo de carne cruasobre o peito do ladrão.
O treinamento do homem medieval como caçador e guerreiro começava depois da barbatoria, o rito de iniciação que consistia na raspagem da primeira barba do jovem, por volta dos 14 anos. A partir de então, o rapaz deveria exercitar-se em corrida, natação, montaria (com o cavalo em movimento e sem estribo, que só apareceria em meados do século XI) e no manejo do arco, do machado e da espada. O homem passava da infância à condição adulta em pouco tempo porque pouco também era o tempo de vida. Morria-se geralmente por volta dos 30 anos, a mulher ainda mais cedo, quase sempre de parto. Os historiadores calculam que de cada 100 crianças nascidas vivas 45 morriam na infância. Diante disso, era preciso que houvesse muitas mulheres e muitas crianças para assegurar a sobrevivência das comunidades.
Por isso, conquistada uma aldeia, as mulheres e crianças pequenas eram levadas pelos vencedores como despojos de guerra. O resto da população, ou mais especificamente "todos aqueles capazes de mijar contra a muralha", segundo uma expressão da época, eram passados pelo fio da espada. Pelo mesmo motivo, entre os francos, quem batesse numa mulher grávida era condenado a pagar 700 soldos de multa; se matasse uma jovem solteira, portanto em idade fértil, pagaria 600 soldos. Mas, se matasse uma mulher idosa, só desembolsaria duzentas moedas. Morria-se com facilidade nas florestas, nos vilarejos e nos caminhos entre eles. Naturalmente, procurava-se viajar apenas de dia, calibrando o percurso de modo a se estar ao alcance de um mosteiro ao cair da noite. A hospitalidade, ao menos a dos religiosos, era algo sagrado na época. Os mosteiros costumavam ter dependências especiais para abrigar os viajantes, aos quais era praxe fornecer pão e vinho uma frugalidade para os padrões alimentares vigentes. De fato, quem podia, como os monges, fartava-se de comer. A gula, aparentemente, não figurava entre os pecados capitais e a sabedoria convencional dizia que, quanto mais farta, gorda e pesada fosse uma refeição, mais saudável seria a pessoa e mais filhos poria no mundo.
Uma dieta diária à base de muito pão, sopa, lentilhas, queijo, e ainda vinho ou cerveja à farta, totalizava algo como 6 000 calorias, mais que o dobro do que se considera hoje necessário, em média, a um trabalhador braçal. Nos banquetes, que podiam durar até três dias, a comilança incluía também ovos, aves e carnes de caça.
A vida de todos os dias, para a mente medieval, estava tão impregnada de eventos extraordinários que não havia como separar realidade e fantasia. O europeu de mil anos atrás acreditava piamente em milagres e apocalipses. Como a Terra imaginada imóvel no centro do Universo, a Igreja era o único ponto fixo de referência para os homens da épocauma instituição segura num mundo onde o poder político não cessa de mudar de mãos ao sabor dos golpes de espada entre os senhores da terra e os príncipes leigos e clericais em seus eternos conflitos. No século X, uma das preocupações da Igreja tinha a ver com a persistência dos resquícios de paganismo nos cultos praticados pelas populações que de há muito professavam a fé cristã. A luta contra a herança pagã se dava, por exemplo, em relação à morte. A atitude das pessoas diante da morte era ambígua. Naquela sociedade tão brutal, em que a morte violenta fazia parte do cotidiano, os mortos eram especialmente temidos. Os cemitérios ficavam afastados das povoações e os túmulos cobertos de arbustos espinhosos para impedir que os cadáveres viessem atormentar os vivos. Além disso acreditava-se que os mortos precisavam ser apaziguados de tempos em tempos, o que se fazia mediante grandes banquetes funerários, nos quais as famílias dos falecidos os obsequiavam com comidas, cantos e danças um costume que, pelo visto, não parece ter conhecido fronteiras ao longo da história humana. Condenando severamente esses rituais, os padres trataram de ocupar-se eles próprios da questão. Em conseqüência, cemitérios passaram a existir dentro das aldeias, ao redor das igrejas. Sepultados em campo-santo, os mortos ficariam em paz, não havendo mais razão para a angústia dos vivos nem para práticas reprováveis. E, realmente, o culto pagão dos mortos foi rareando até desaparecer de vez.
A Igreja concentrava toda a cultura erudita. O alto clero falava latim, língua em que também eram redigidos os raros documentos da época textos que serviam para estabelecer direitos, como cartas de transferência de propriedades e notificações de decisões reais, pois o uso da escrita, já muito restrito, desapareceu quase por completo depois de 860. Nos mosteiros, os monges copistas reproduziam minuciosamente os livros sagrados e as obras dos filósofos gregos, como Aristóteles, cujo pensamento era considerado compatível com a doutrina oficial do cristianismo. Um monge gastava um ano de trabalho para fazer uma cópia da Bíblia. Duro favor. "Embaralha a vista, causa corcunda, encurva o peito e o ventre, dá dor nos rins", deixou registrado um copista. "É uma rude provação para todo o corpo."
Dos mosteiros se propagava também, pela voz dos abades nos sermões que acompanhavam as missas, uma terrível profecia que submeteria os fiéis a outro tipo de provação: o fim do mundo exatamente no ano 1000, com a ocorrência, em sucessão, de incomparáveis acontecimentos, como a aparição do Anticristo, a volta de Jesus à Terra e o Juízo Finalo julgamento de todos os homens por Deus. A crença no fim do mundo no ano 1000 derivava de uma interpretação literal de um dos mais obscuros textos bíblicos, o Apocalipse de São João. De fato, ali se lê que "depois de se consumirem mil anos, Satanás será solto da prisão, saindo para seduzir as nações dos quatro cantos da Terra e reuní-las para a luta (...). Mas desceu um fogo do céu e as devorou (...) e os mortos foram julgados segundo as suas obras (...). Vi, então, um novo céu e uma nova terra, pois o primeiro céu e a primeira terra desapareceram e o mar já não existe". Esse "milenarismo crasso", como dizem os comentaristas do Novo Testamento, apropriou-se dos corações e mentes dos europeus.
Quanto mais se espalhava a profecia e mais próximo se estava da data fatal, mais apareciam indícios infalíveis do fim dos tempos um eclipse, um incêndio inexplicável, o nascimento de um bebê monstruoso, uma praga agrícola, a passagem de um cometa no céu, o relato da aparição de uma baleia do tamanho de uma ilha na costa francesa, a grande epidemia de 997. Uma crônica de um certo Sigeberto de Gembloux descreve um "terrível tremor de terra" e a imagem de uma serpente vista através de uma fratura no céu. Muita gente doou todas as suas posses, muitos também se inflingiram cruéis castigos, a título de penitência. Os historiadores interpretam o "terror milenar" que se apossou dos europeus como uma expressão do caos político que se seguiu à desagregação do Sacro Império, desenhada com tintas fornecidas pelas Escrituras. Em 954, um Pequeno tratado do Anti- Cristo, de autoria de Adson, abade de Montier-en-Der, França, previa o fim do mundo depois de "todos os reinos estarem separados do Império Romano, ao qual haviam estado anteriormente submetidos".
O mundo, como se sabe, não acabou na passagem do milênio, nem no ano seguinte, nem no outro. Aos poucos, os homens começaram a suspeitar que o Apocalipse, afinal, não viria. Assim, em 1033, justamente no milésimo aniversário da Paixão de Cristo, um texto permitia-se festejar a "alegria dominante no Universo" apesar da fome que devastava a Europa, do mau agouro representado por um eclipse solar e do desassossego causado pela revolta contra o papa Benedito IX, que ascendera ao trono com a extraordinária idade de 13 anos.
Para saber mais:
Uma nação chamada europa
(SUPER número 9, ano 5)
Por volta do ano 1000, o Império Russo cobria a maior parte dos territórios europeus do leste, tendo o seu centro no principado de Kiev, na Ucrânia. População, língua e costumes eram eslavos. A dinastia tinha origem viking. A unidade do império era precária: Novgorod e Kiev eram governadas por diferentes membros da dinastia. Mesmo assim, amedrontava os povos balcânicos e servia de pára-choque entre os impérios e tribos do Oriente e os da Europa.
Entre a Rússia e a Alemanha, estavam, de um lado, os povos do Báltico, relativamente independentes das influências germânicas e cristãs; de outro, os reinos da Polônia, Hungria e Boêmia. Seus habitantes eram eslavos ou aparentados a eles no idioma e nos costumes, embora já começassem a se ocidentalizar.
Na Europa Ocidental, as populações da Alemanha, Itália, França e das llhas Britânicas eram cristãs, ou, como no caso dos vikings da Escandinávia, prestes a se converter ao cristianismo. O Império Bizantino se estendia, a oeste, até o sul da Itália. Mas o Reino da Sicília, assim como a Península Ibérica (menos o norte), fazia parte da Europa muçulmana.
Fonte: Superinteressante, Set 1990 (http://super.abril.com.br/superarquivo/1990/conteudo_112233.shtml)
Era um tempo de medo. Há mil anos, na mesma Europa que agora se prepara para ingressar, próspera e unida como nunca, no terceiro milênio do calendário cristão, os homens viviam o pior dos mundos. O irreversível desmoronamento, século após século, do que ainda restava da civilização greco-romana, depois do fim do Império Romano do Ocidente, no século V, transformara o território europeu em campo de batalha onde gerações sucessivas se guerreavam interminavelmente visigodos e vikings, bretões e saxões, vândalos e ostrogodos, magiares e eslavos,um sem-fim de povos que não por acaso entraram para a História sob a denominação coletiva de "bárbaros". Além da violência, a miséria, a ignorância e a superstição recobriam a Europa na marca do ano 1000.
A centralização política abençoada pela Igreja na virada do século IX, com a coroação de Carlos Magno, rei dos francos e dos lombardos, no trono do Sacro Império Romano, em 800, produziu um lampejo de renascimento cultural ao redor de sua corte em Aix-la-Chapelle (ou Aachen, na atual Alemanha). O que pudesse haver de paz e progresso, porém, não sobreviveria muito tempo ao imperador, falecido em 814. Fragmentada em reinos cada vez mais fracos, apesar da tentativa de restauração imperial, em 962, comandada pelo rei germânico Otto, o Grande, a Europa Ocidental se converte numa colcha de retalhos de governos locais. Papas e imperadores, uns e outros invocando direitos divinos, competiam pelo poder, celebrando alianças movediças com príncipes, duques, condes, bispos que também acumulavam títulos de nobreza e ainda uma vasta gama de barões da terra. Tudo isso só fez apressar a pulverização do continente em feudos.
Os proprietários de terras transformavam seus domínios em unidades autônomas, territórios com fortificações feitas de árvores e espinheiros e com habitações cercadas de paliçadas. Registrou um observador do ano 888: "Cada qual quer se fazer rei a partir das próprias entranhas". A cidade, como sede da política e da administração, centro do comércio e do conhecimento, à maneira de Roma, Atenas ou Alexandria na Antigüidade clássica, virtualmente inexistia na paisagem ocidental desse período. Havia, é bem verdade, burgos descendentes dos centros fundados pelos conquistadores romanos, como também ajuntamentos de um punhado de milhares de almas, nascidos da presença, nas proximidades, de um mosteiro ou de um vale fértil, ou do fato de se situarem no centro de uma região dominada por um príncipe. Nada, porém, que se comparasse a Constantinopla (hoje Istambul), capital do Império Romano do Oriente, com suas centenas de milhares de habitantes, abastado comércio e porto movimentado.
Há cerca de mil anos, amplas extensões do continente europeu eram constituídas de florestas um mundo sombrio, estranho e ameaçador aos homens que construíam povoados, cultivavam cereais e criavam gado em grandes clareiras nas suas cercanias, numa economia de pura subsistência, da mão para a boca. A construção de castelos, abadias e mosteiros ocupava igualmente muitos braços. Mas o principal motor da atividade econômica era a guerra: a necessidade de produzir armas, acumular provisões para a tropa e pagar os mercenários em metal sonante estimulava o comércio. Perigos reais, como os animais selvagens, e terrores imaginários, como monstros e demônios, espreitavam os aldeões que adentravam a mata em busca de carne de caça e de mel, a única fonte de açúcar dos europeus de então. Vista pelos olhos de hoje, a vida cotidiana tinha tons de pesadelo.
As aldeias, com suas poucas dezenas de casas mambembes, eram de um primitivismo de dar dónada que pudesse lembrar nem as edificações do passado pré-cristão no Egito, Mesopotâmia, Grécia e Roma, nem as construções contemporâneas de povos tão diferentes entre si como árabes, chineses e incas. As habitações eram muito pequenas, de madeira, com coberturas de palha que chegavam rente ao chão. Janelas, quando havia, eram simples buracos. Móveis eram escassos. Animais compartilhavam o parco espaço com a família. Algumas casas eram precariamente cercadas por muros de adobe; outras, por grossas sebes de espinhos. Os germanos chamavam tais espinheiros zaun, o que daria em inglês, significativamente, thorn (espinho) e town (cidade).
Se um europeu atual caísse do céu num dia qualquer numa dessas aldeias talvez presenciasse uma cena que o deixaria escandalizado, com razão, mas cujo sentido lhe escaparia. Um homem, semidespido, corre em círculos; dois outros, tochas nas mãos, tentam queimar-lhe o traseiro, enquanto o populacho morre de rir. A grosseira palhaçada é séria: o homem está sendo castigado pelo roubo de um cachorro. O ladrão até que poderia ter se livrado do vexame se tivesse 5 soldos ou moedas de cobre para indenizar o dono do cão, mais 2 soldos de multa para o Conselho que fazia as vezes de governo do lugarejo tão rústicos haviam se tornado a administração da justiça e o sistema de governo. A punição, em todo caso, dá idéia do valor dos cachorros em tais sociedades como auxiliares de caça freqüentemente dizimados nas incursões à floresta. Outros animais, como cervos, cavalos e falcões, eram também valorizados, com castigos à altura para os ladrões. Entre os burgúndios, povo germânico que vivia no que viria ser a Áustria, a um falcão recapturado era servido 1,5 quilo de carne cruasobre o peito do ladrão.
O treinamento do homem medieval como caçador e guerreiro começava depois da barbatoria, o rito de iniciação que consistia na raspagem da primeira barba do jovem, por volta dos 14 anos. A partir de então, o rapaz deveria exercitar-se em corrida, natação, montaria (com o cavalo em movimento e sem estribo, que só apareceria em meados do século XI) e no manejo do arco, do machado e da espada. O homem passava da infância à condição adulta em pouco tempo porque pouco também era o tempo de vida. Morria-se geralmente por volta dos 30 anos, a mulher ainda mais cedo, quase sempre de parto. Os historiadores calculam que de cada 100 crianças nascidas vivas 45 morriam na infância. Diante disso, era preciso que houvesse muitas mulheres e muitas crianças para assegurar a sobrevivência das comunidades.
Por isso, conquistada uma aldeia, as mulheres e crianças pequenas eram levadas pelos vencedores como despojos de guerra. O resto da população, ou mais especificamente "todos aqueles capazes de mijar contra a muralha", segundo uma expressão da época, eram passados pelo fio da espada. Pelo mesmo motivo, entre os francos, quem batesse numa mulher grávida era condenado a pagar 700 soldos de multa; se matasse uma jovem solteira, portanto em idade fértil, pagaria 600 soldos. Mas, se matasse uma mulher idosa, só desembolsaria duzentas moedas. Morria-se com facilidade nas florestas, nos vilarejos e nos caminhos entre eles. Naturalmente, procurava-se viajar apenas de dia, calibrando o percurso de modo a se estar ao alcance de um mosteiro ao cair da noite. A hospitalidade, ao menos a dos religiosos, era algo sagrado na época. Os mosteiros costumavam ter dependências especiais para abrigar os viajantes, aos quais era praxe fornecer pão e vinho uma frugalidade para os padrões alimentares vigentes. De fato, quem podia, como os monges, fartava-se de comer. A gula, aparentemente, não figurava entre os pecados capitais e a sabedoria convencional dizia que, quanto mais farta, gorda e pesada fosse uma refeição, mais saudável seria a pessoa e mais filhos poria no mundo.
Uma dieta diária à base de muito pão, sopa, lentilhas, queijo, e ainda vinho ou cerveja à farta, totalizava algo como 6 000 calorias, mais que o dobro do que se considera hoje necessário, em média, a um trabalhador braçal. Nos banquetes, que podiam durar até três dias, a comilança incluía também ovos, aves e carnes de caça.
A vida de todos os dias, para a mente medieval, estava tão impregnada de eventos extraordinários que não havia como separar realidade e fantasia. O europeu de mil anos atrás acreditava piamente em milagres e apocalipses. Como a Terra imaginada imóvel no centro do Universo, a Igreja era o único ponto fixo de referência para os homens da épocauma instituição segura num mundo onde o poder político não cessa de mudar de mãos ao sabor dos golpes de espada entre os senhores da terra e os príncipes leigos e clericais em seus eternos conflitos. No século X, uma das preocupações da Igreja tinha a ver com a persistência dos resquícios de paganismo nos cultos praticados pelas populações que de há muito professavam a fé cristã. A luta contra a herança pagã se dava, por exemplo, em relação à morte. A atitude das pessoas diante da morte era ambígua. Naquela sociedade tão brutal, em que a morte violenta fazia parte do cotidiano, os mortos eram especialmente temidos. Os cemitérios ficavam afastados das povoações e os túmulos cobertos de arbustos espinhosos para impedir que os cadáveres viessem atormentar os vivos. Além disso acreditava-se que os mortos precisavam ser apaziguados de tempos em tempos, o que se fazia mediante grandes banquetes funerários, nos quais as famílias dos falecidos os obsequiavam com comidas, cantos e danças um costume que, pelo visto, não parece ter conhecido fronteiras ao longo da história humana. Condenando severamente esses rituais, os padres trataram de ocupar-se eles próprios da questão. Em conseqüência, cemitérios passaram a existir dentro das aldeias, ao redor das igrejas. Sepultados em campo-santo, os mortos ficariam em paz, não havendo mais razão para a angústia dos vivos nem para práticas reprováveis. E, realmente, o culto pagão dos mortos foi rareando até desaparecer de vez.
A Igreja concentrava toda a cultura erudita. O alto clero falava latim, língua em que também eram redigidos os raros documentos da época textos que serviam para estabelecer direitos, como cartas de transferência de propriedades e notificações de decisões reais, pois o uso da escrita, já muito restrito, desapareceu quase por completo depois de 860. Nos mosteiros, os monges copistas reproduziam minuciosamente os livros sagrados e as obras dos filósofos gregos, como Aristóteles, cujo pensamento era considerado compatível com a doutrina oficial do cristianismo. Um monge gastava um ano de trabalho para fazer uma cópia da Bíblia. Duro favor. "Embaralha a vista, causa corcunda, encurva o peito e o ventre, dá dor nos rins", deixou registrado um copista. "É uma rude provação para todo o corpo."
Dos mosteiros se propagava também, pela voz dos abades nos sermões que acompanhavam as missas, uma terrível profecia que submeteria os fiéis a outro tipo de provação: o fim do mundo exatamente no ano 1000, com a ocorrência, em sucessão, de incomparáveis acontecimentos, como a aparição do Anticristo, a volta de Jesus à Terra e o Juízo Finalo julgamento de todos os homens por Deus. A crença no fim do mundo no ano 1000 derivava de uma interpretação literal de um dos mais obscuros textos bíblicos, o Apocalipse de São João. De fato, ali se lê que "depois de se consumirem mil anos, Satanás será solto da prisão, saindo para seduzir as nações dos quatro cantos da Terra e reuní-las para a luta (...). Mas desceu um fogo do céu e as devorou (...) e os mortos foram julgados segundo as suas obras (...). Vi, então, um novo céu e uma nova terra, pois o primeiro céu e a primeira terra desapareceram e o mar já não existe". Esse "milenarismo crasso", como dizem os comentaristas do Novo Testamento, apropriou-se dos corações e mentes dos europeus.
Quanto mais se espalhava a profecia e mais próximo se estava da data fatal, mais apareciam indícios infalíveis do fim dos tempos um eclipse, um incêndio inexplicável, o nascimento de um bebê monstruoso, uma praga agrícola, a passagem de um cometa no céu, o relato da aparição de uma baleia do tamanho de uma ilha na costa francesa, a grande epidemia de 997. Uma crônica de um certo Sigeberto de Gembloux descreve um "terrível tremor de terra" e a imagem de uma serpente vista através de uma fratura no céu. Muita gente doou todas as suas posses, muitos também se inflingiram cruéis castigos, a título de penitência. Os historiadores interpretam o "terror milenar" que se apossou dos europeus como uma expressão do caos político que se seguiu à desagregação do Sacro Império, desenhada com tintas fornecidas pelas Escrituras. Em 954, um Pequeno tratado do Anti- Cristo, de autoria de Adson, abade de Montier-en-Der, França, previa o fim do mundo depois de "todos os reinos estarem separados do Império Romano, ao qual haviam estado anteriormente submetidos".
O mundo, como se sabe, não acabou na passagem do milênio, nem no ano seguinte, nem no outro. Aos poucos, os homens começaram a suspeitar que o Apocalipse, afinal, não viria. Assim, em 1033, justamente no milésimo aniversário da Paixão de Cristo, um texto permitia-se festejar a "alegria dominante no Universo" apesar da fome que devastava a Europa, do mau agouro representado por um eclipse solar e do desassossego causado pela revolta contra o papa Benedito IX, que ascendera ao trono com a extraordinária idade de 13 anos.
Para saber mais:
Uma nação chamada europa
(SUPER número 9, ano 5)
Por volta do ano 1000, o Império Russo cobria a maior parte dos territórios europeus do leste, tendo o seu centro no principado de Kiev, na Ucrânia. População, língua e costumes eram eslavos. A dinastia tinha origem viking. A unidade do império era precária: Novgorod e Kiev eram governadas por diferentes membros da dinastia. Mesmo assim, amedrontava os povos balcânicos e servia de pára-choque entre os impérios e tribos do Oriente e os da Europa.
Entre a Rússia e a Alemanha, estavam, de um lado, os povos do Báltico, relativamente independentes das influências germânicas e cristãs; de outro, os reinos da Polônia, Hungria e Boêmia. Seus habitantes eram eslavos ou aparentados a eles no idioma e nos costumes, embora já começassem a se ocidentalizar.
Na Europa Ocidental, as populações da Alemanha, Itália, França e das llhas Britânicas eram cristãs, ou, como no caso dos vikings da Escandinávia, prestes a se converter ao cristianismo. O Império Bizantino se estendia, a oeste, até o sul da Itália. Mas o Reino da Sicília, assim como a Península Ibérica (menos o norte), fazia parte da Europa muçulmana.
Fonte: Superinteressante, Set 1990 (http://super.abril.com.br/superarquivo/1990/conteudo_112233.shtml)
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